01 setembro 2007

Querido Diário II



Sexta-feira, 4 de Dezembro de 1998

Querido Diário,

Hoje vi-me aflita para convencer a mamã a deixar-me ir à discoteca "Kappella". Tinha combinado com o Jó-Jó lá à porta porque a mamã não podia vê-lo, nem sequer desconfiar que ele existia.

Claro que assim que perguntei se podia sair veio o interrogatório do custume: "Com quem vais?"; "Onde vais?"; "A que horas vens?". E como já é habitual nem sequer me deu hipotese de responder: "Quero-te em casa ás onze horas. Se queres dinheiro pede ao teu pai!". É obvio que o papá não me ia dar nem um tostão e ela sabia.

Quando já estava com um pé fora de casa mandou-me parar e fez de novo o interrogatório. A sorte é que já tinha combinado com a Teresa e a Ritinha de dizermos que iamos ao cinema as três, porque elas iam sair com os namorados. Pois não me deixou sair de casa sem antes ligar para as mães delas...

Só que a noite não acabou aqui... Depois deste trabalhão todo para sair de casa, fiquei duas horas à porta da "Kappella" à espera daquele miserável, aquele crápula, insensivel, estupido, camelo, otário e podia continuar a noite toda a insultá-lo, mas seria perder o meu tempo.

Nem sequer foi capaz de me avisar aquele urso... Segunda quando o vir na escola acho que...

Depois conto-te

A.S.

Dilema

Abraça-me! Envolve-me em ti! Sinto o teu toque, o teu calor! Quero-te!

Chega-te para lá! Sofocas-me, matas-me aos poucos! Deixa-me em paz, LIBERTA-ME!
Não vás, fica só mais um pouco! Sinto-me mal sem ti! Quero-te! Estás aí?

Mergulho no teu abraço. Deixo-me levar pelas ondas de prazer. Pecado? Talvez! E o Inferno aqui tão perto. Vale a pena? Beijas-me mais uma vez! Quero-te!

Pára! Isto não está certo! Vai-te embora! O Céu cada vez mais longe... Fecho os olhos, o silêncio... Está frio!

Chega-te para cá! Aquece-me de novo.

Não venhas, não te quero ver nunca mais... E nunca mais parece-me tanto tempo...

Que se passa? Porque fugiste? Já não me queres? Já não gostas de mim? Acabou tudo, assim, sem mais nem menos? Porque não ficas mais um pouco?

Desejo-te como nunca antes desejei ninguém... AMO-TE!

Não, ODEIO-TE! Fazes-me mal....

Não, fazes-me bem...

O coração é tão frágil... Por isso não o entregamos a ninguém... Mas doi não o entregar.... Mas doi quando se entrega.... Mas doi quando se parte.... Mas doi quando se tenta colar todos os pedaços...

E agora?

28 agosto 2007

Vizinhos I

Moro numa rua como tantas outras... E daí talvez não. Apesar de localizada no meio da cidade, ainda é uma rua onde as pessoas se conhecem, onde o café da Dona Alzira ("Orquídia") ainda é ponto de encontro para desabafos, cusquices e discussões políticas e futobolísticas. Nasci e sempre morei aqui e não me lembro das coisas serem diferentes. E é uma rua onde existem pessoas para todos os gostos e feitios.


Não é de estranhar, portanto, que a chegada de novos vizinhos tenha gerado curiosidade e muita conversa. A Tia Alice (como é conhecida por todos) sempre à janela, a ver mobílias a entrar, a controlar todo o processo de mudanças dos "novos", como já eram tratados por todos cá na rua.


Um casal com um filho (mais ou menos da minha idade acho) é tudo o que se sabia sobre eles. Mas conhecendo a dinâmica e as pessoas cá da rua, sei que depressa se iria saber muito mais.


E não foi preciso esperar muito tempo. Bastou uma ida da nova vizinha (coitada mal sabia onde se estava a meter) ao "Orquídia" para que o interrogátorio (embora bem disfarçado) começasse. E foi fantástico ver como naquele momento em que ela entrou, quase todos os vizinhos (incluíndo a minha mãe) decidiram ir beber café. Depressa fiquei a saber que os novos vizinhos eram Doutora Joana (médica), o seu filho Pedro e o novo companheiro Luís (enfermeiro).


Claro que a minha mãe (boa vizinha como é) me dispoibilizou logo para mostrar ao Pedro a zona e apresentar alguns amigos, uma vez que eles eram das ilhas e não conheciam nada daqui.


"- A ver se vais dar uma volta com o rapaz, coitado. A Doutora Joana disse que isto não está a ser fácil para ele. Foi o divórcio dos pais, que ela disse que não foi nada amigável, e agora o estar num sítio novo, longe de tudo e todos que conhece.


- Mas mãe....


- Não te ponhas com histórias. Se fosse ao contrário também ias gostar que te ajudassem. Inda por cima a Tia Alice diz que os pais se separaram porque a Doutora Joana se enrolou com o enfermeiro...


- E como é que ela sabe?


- Oh filho sei lá. Deve ter percebido pela conversa..."


E é assim que começam os boatos cá na rua... O velho "diz que disse". A minha mãe mete-me em cada uma...
Enfim! Vamos lá ver o que isto vai dar....

11 janeiro 2007

Querido Diário I

Encontrei um diário antigo. Talvez o mais correcto a fazer seria deixar as suas memórias enterradas, mas a verdade é que não resisti e violei os segredos mais profundos de outra pessoa... A curiosidade falou mais alto. O pior de tudo é que não resisti em partilhar esses segredos com todos os que os queiram ler... Desde já as minhas desculpas à dona destas páginas. Só espero que um dia me possa perdoar...

Quarta-feira, 2 de Dezembro de 1998

Querido Diário,

Antes de mais desculpa. Sei que já não escrevo à muito tempo, mas a verdade é que com os testes e isso tem sido difícil. Mas hoje era impossível não te contar o que me aconteceu: dois dos maiores sustos a minha vida. Logo de manhã, depois de acordar e ir até à casa de banho, ia desmaiando quando passei pelo espelho. Tinha uma borbulha enorme mesmo no meio da testa. Tive um trabalhão para disfarçar aquela coisa. Quase uma hora em frente ao espelho a aplicar cremes e loções da mamã, até aquilo desaparecer. Ou melhor até ninguém a conseguir ver porque ela continuava lá. Mas isto não foi nada comparado com o que aconteceu de tarde.

Como eu não podia sair de casa porque a mamã podia telefonar, o Jó-Jó veio ter comigo em vez de irmos para o café... Trouxe-me uma rosa e tudo! Cada vez me sinto mais apaixonada por aquele rapaz (vê lá tu que nem consigo estar perto dele sem corar).

O pior foi quando a mamã chegou do trabalho. Não demos pelo tempo passar. A sorte foi que consegui escondê-lo na dispensa até a mamã ir tomar banho, altura que ele aproveitou para sair. Sinto-me tão feliz com o Jó-Jó que era capaz de tudo para salvar o nosso amor!

Até breve...
A. S.

07 janeiro 2007

Numa Casa Portuguesa I - A família Almeida


"-Oh Rosa.... ROSA.... Oh Rosita...
- Que é queres Zé António? É preciso tares aos berros??"

Dona Rosa surge na sala, de avental vestido, com as mãos ainda cheias de farinha, das pataniscas que estava a fritar...

"-Oh Rosita traz-me aí uma cervejola...
-Deus nosso Senhor cortou-te as mãos ou as perninhas pra não poderes vir até à cozinha?"

Dona Rosa volta para a sua bancada, praguejando em surdina, enquanto Zé António relamava para a TV as suas lamúrias...

"-Oh Homem... Vai xamar os miudos... Tenho o arroz de feijão já feito e as pataniscas tão quase fritas..."

Zé António levanta-se vagarosamente do seu sofá e dirige-se em passo muito lento para o jardim do bairro...

"-Cátia Vánessa.... Luis Pedro.... Sandra Sofia.... Vamos almoçar que a vossa mãe já tá com os azeites..."

Os três irmãos de 19, 17 e 16 anos surgem em casa, atrás do pai... Da cozinha surge a voz um pouco irritada da matriarca...

"-Sandra Sofia! Cátia Vánessa! Ponham a mesa... Daqui a nada comem esta porra fria e depois dizem que não gostam...
-Oh Rosita é preciso tares assim?
-Cala-te Zé António... Se não tivesses passado a manhã com o cu colado ao sofá e me tivesses ajudado mais..."

Os cinco sentam-se à mesa e começam o seu almoço de domingo. O silêncio reina na refeição, só quebrado pela televisão que teimava em anunciar as desgraças do mundo.

"-Rosa... Tens tido notícias da tua irmã?
- Fodasse tinhas que me estragar o domingo... Não me fales dessa gaja...."

02 janeiro 2007

Sétimo Encontro - O derradeiro final


Encontrámo-nos à porta do café na hora combinada. Mal te vi, e uma alegria flamejante consumiu-me por dentro, traduzida num sorriso do tamanho do mundo. Vejo que também estás feliz por estarmos juntos.

Sentamo-nos e falamos durante horas até sermos praticamente expulsos do café (ou gentilmente convidados a sair, uma vez que este ia fechar).

"- Queres ir dar uma volta?
- Porque não?"

Dás-me a mão enquantandamos em direcção ao jardim. Está escuro, esá frio, mas nada disso importa. Estou contigo e fazes-me sentir bem, como se o resto do mundo não existisse, como se não houvessem problemas. Sentamo-nos novamente, desta vez no banco de jardim, gasto pelo tempo...

"- Acreditas no destino?" - A pergunta surpreende-me, não estava à espera de algo assim...
"- Sinceramente não sei e tu?
- Já acreditei menos... Não achas estranho o que nos aconteceu?" - Estranho? Porque dizes isso? Somos apenas duas pessoas cujos caminhos se cruzaram...
"- Tu achas que foi estranho? Achas que não devia ter acontecido?"
Oiço-te rir...

"- Pelo contrário... Acho que estava escrito que ia acontecer... Era só uma questão de tempo... Acho que as nossas almas estão destinadas para toda a eternidade... Quer em vidas passadas, quer em vidas futuras..." - A tua expressão mudou, talvez com receio da minha reacção a essatua afirmação. Pego-te na mão:

"- Bom quanto a vidas passadas ou futuras não sei... Por mim já fico feliz em passar esta vida contigo..." - Sorris de novo e beijamo-nos.

"- Talvez tenhas razão, talvez a eternidade seja muito tempo. Talvez só importe o aqui e o agora...."

"- Passem para cá o guito!" - Levanto-me com o susto e olho para trás. Três rapazes com ar muito pouco amigável interrompem o nosso Encontro. Com uma calma invejável tiras a tua carteira, entregas todo o teu dinheiro ao rapaz que está mais próximo de nós e dizes:

"- Tomem, não queremos problemas..." - Eu ainda estou em choque, quer pelo assalto, quer pela tua reacção...

"- Então e tu oh palhaço?" - O rapaz empurra-me e acabo no chão. Tudo a partir desse momento é confuso para mim. Lembro-me de te baixares junto a mim e é nesse momento que vejo a navalha:

"- CUIDADO...!" - Mas foi tarde, demasiado tarde. Amparo-te na tua queda enquanto aquele cabrão e os amigos fogem, depois de três golpes certeiros que te deram. Sinto teu sangue... Não pode ser. Não quero que seja...

"- Tem calma. Respira, vais ver que tudo vai correr bem..." - As lágrimas caem-me pela face sem que eu consiga ter controlo nelas. Sinto a tua dificuldade em respirar enquanto te seguro nos meus braços... Queres dizer algo, aproximo-me de ti para tentar perceber o que dizes:

"- Não Chores.... Sê feliz... Vêmo-nos na proxima vida........... Amo-te....

- NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO"